quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Senhor das Plantações Libertinas


Buscava todo dia, no café da padaria, um sabor mais doce que a amargura do cansaço. Pegava a condução, lotada de coisas que não são aquilo que ele esperava. Chegava no trabalho rabugento, sentava numa cadeira que, de tanto suportar o peso de uma vida conduzida pelo marasmo da mesmice e pela ausência de sentimentos distintos, ficara dura como pedra. A dureza da cadeira harmonizava com a de seu coração, que sequer compreendia outro sentimento se não o da ausência. Girava, girava, girava na endurecida cadeira de rodinhas, como se fosse um parque de diversões, ao mesmo tempo em que fechava os olhos e sorteava um rumo aquém do que planejara pra si. Adorava a tristeza, não a largava nunca. E quando ela tomava outro rumo, ele corria atrás dela e a abraçava com um abraço de jamais largar. A tristeza era a Musa que conduzia sua sanidade. Não vivia sem ela. Certa vez, degustando sua solidão num boteco, um jovem solitário se aproximou, olhou-o nos olhos e perguntou-lhe: 

- Existe coisa pior que olhar com saudade para o passado? 

Ele respondeu em rebatida única:

- É claro que sim! Olhar com tristeza. Feio é ser infeliz. A beleza é só uma passagem meu filho, a permanência é cruel, sempre. O fardo mais cruel de se carregar é ser o que se deve e não o que se é.

- E o amor? - Perguntou-lhe o jovem no auge de sua solidão afogadora, sedento por sabedoria:

Com um riso choroso de canto de boca, inventado junto à um balançar negativo de cabeça, com os olhos fixos no copo, piscando com indas e vindas de negação, ele respondeu:

- Amor é a morte do dever, uma arte ruim para se apreciar. Amor é o início do que já terminou. O princípio do fim. O calor do fogo apagado. O cheiro do vento ficado. A brisa sem vento.

Tomando como se fosse o último gole de um vinho velho, com um despertar de sabedoria sofrível, ele proclamou, num tom descrente e fiel ao mesmo tempo:

- Minhas palavras cheias de orgulho, vaidade e desapego, são vazias de verdade. Não deixe eu enganar você. No fundo, tu sabes que, o que sai da mim é o oposto do que vive em mim. O que sai da minha boca, é um grito desesperado e mentiroso da língua desmentindo o coração.

Depois disso, levantou-se de sua cadeira de madeira, bateu sua tulipa em forma de final perfeito na mesa de madeira, e foi-se embora, com seu coração de madeira. Mas antes de partir, abraçou o jovem curioso, beijou-o na testa, trazendo-a até seu peito, como se afagasse um filho. Olhou-o nos olhos, estendeu-lhe a mão e, no apertar das palmas, deixou esvair sobre os dedos, um guardanapo amassado nas mãos do jovem e partiu. Ao chegar em casa, embriagado de dúvidas e curiosidade, o jovem deitou-se em sua cama e desembrulhou o papel, que dizia:

"Se o frio não existe e é apenas a ausência de calor, logo, a felicidade também não. Esta é apenas a ausência da tristeza. Aprenda a degustar a dor, amenize com sal ou mostarda. Ela será seu prato principal para o resto da vida. Seja feliz na alegria e triste na tristeza. Não misture ou troque os dois nunca, aprenda a dividir. Palavras ruins não mudam sentimentos bons. Os ouvidos ouvem, a alma dói, mas o coração prevalece. E quanto ao amor, meu jovem... Dias que sinto muito, dias pouco... Mas, sinto todos os dias... O dia todo."

O jovem plantara velhice sábia em seu peito, idolatrando seu velho conselheiro. O velho colhera consequências joviais de escolhas passadas, transformadas em experiências, ensinadas como sabedoria e mitificadas como a verdade para se viver. O fim é apenas o princípio do fim... É apenas, o começo de um final feliz... E fim.

(Marcos Ubaldino)

2 comentários:

  1. Texto maravilhoso! Muito interessante a dinâmica da sua escrita, uma crônica cotidiana e poética. Parabéns, Marcos!

    Conheça os blogs literários:
    O Poeta e a Madrugada (Contos e Poesia)
    Dark Dreams Project (Contos de suspense e terror)

    Abraços!

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    1. Valeu Dênis, tô sempre de olho nas Poesias das tuas madrugadas também.
      Abraço meu amigo!

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